quinta-feira, 25 de novembro de 2010

Sétima aula

Aristóteles (384 – 321 a.C.)

1.1. crítica a Platão

1.2. a divisão do conhecimento

Metafísica

Conhecimento Teorético: Matemática

Física

Conhecimento Prático: práxis – política, ética e economia

Poiésis – técnicas, artes, retórica, etc.

1.3. a ética aristotélica

1.3.1. ética teleológica

1.3.2. a noção do bem. Felicidade.

1.3.3. as virtudes

1.3.4. “virtude intelectual” e “virtude moral”

1.3.5. a virtude como meio-termo

1.4. a justiça

1.4.1. “justiça geral”

1.4.2. justiça particular - “justiça distributiva”

- “justiça comutativa” ou “corretiva”

1.4.3. a equidade

Foi aluno de Platão, mas não vai seguir sua filosofia e sim criticá-la. Ele rejeita a teoria das idéias e se preocupa em entender a política como ela é, no plano do ser, é um dos primeiros a utilizar o método experimental. Aristóteles volta-se para o plano prático. Para compreendermos a ética temos que compreender o conhecimento, transferindo a ética e a política para o plano prático.

No conhecimento teorético tem que obedecer ao critério de universalidade (aceito por todos) e necessário (não pode haver outra explicação senão aquela). Seus objetos lidam com elementos da natureza, não há intervenção do homem. Mas o que mais interessa é o conhecimento prático que, diferente do outro, seus objetos são particulares e circunstanciais. Particular diz respeito ao fato de depender/obedecer conceitos particulares. O campo da ética, política é particularista, não devendo buscar princípios universais que são para todos em todos os tempos. Para Aristóteles, essa ética e política estão sempre no plano prático e no plano que lida com objetos particulares e circunstanciais.

O conhecimento prático é a ação, pois todos os elementos aqui dependem desta e da vontade do ser humano. Esse conhecimento engloba dois elementos: práxis e poiesis. Práxis no sentido de prática, de que toda ação ou prática do ser humano tem seus fins internos a própria ação (valor da ação está dentro da própria ação). Já poiesis tem o sentido dos fins externos à ação, ou seja, a ação está ligada ao resultado, o qual é externo. A ação aqui só tem sentido em razão do resultado (ex. fabricar alguma coisa: fabricar uma mesa visando um fim econômico). Para Aristóteles há uma hierarquia entre elas, onde a práxis que determina a poiesis (política e ética que vão determinar a técnica, e não o contrário).

O segundo motivo para se considerar essa divisão importante é que a política e a ética no plano prático rompe com Platão. A contemporaneidade faz uma crítica da modernidade por perder o pensamento ético e reduzir a política à técnica. Para Aristóteles, quem define a economia é a política e a ética.

Ética aristotélica é teleológica. Aristóteles que a apresenta de modo mais claro. É a centralidade que a noção de bem tem dentro desta ética. Para essa ética, a noção de bem é anterior a noção de justo. Ela é compreensiva, no sentido de que o indivíduo chega a uma boa ação, porque ele tem uma compreensão racional disto. A ética moderna é deontológica, é Kantiana e parte da noção do justo, porque a noção de bem aqui está ligada a felicidade, ela não é compreensiva, é normativa, é antítese de Aristóteles.

Aristóteles fala de bem, parte da definição de bem, que é aquilo que todas as coisas têm, é o potencial de cada coisa. O bem de alguma coisa é a sua função, cada coisa tem seu bem. O bem da medicina é a cura, por exemplo. O ser humano tem vários bens, mas o superior é aquele ao qual ele tende, que é o bem da felicidade. Todo ser humano deve buscar a felicidade. Aristóteles faz uma lógica entre bem -> felicidade -> virtude -> bem. A virtude é a função de alguma coisa. Uma coisa cumpre sua virtude se ela faz o bem. A virtude para Aristóteles é a ação virtuosa, é a nossa capacidade de buscar felicidade e a felicidade é a nossa atividade conforme a virtude perfeita. Para ele, diferentemente de Platão, não há compatibilidade entre razão e desejo. O desejo prejudica a razão. Aristóteles articula esses dois elementos. O homem, para ele, encontra prazer na virtude. Ações virtuosas devem ser aprazíveis em si mesmas, porque assim que se consegue felicidade.

A virtude intelectual é um estado mental do homem para compreender teoricamente as coisas. Refere-se ao conhecimento teórico. Ela é ao mesmo tempo natural (nasce com o homem) e fruto da educação e da instrução. Ao contrário, a virtude moral diz respeito a ação, e não teoria, ou seja, quando Aristóteles fala da virtude moral está se referindo a boa índole e ao caráter do indivíduo. A moral é resultante do hábito e não natural. A virtude moral pode ser caracterizada pela continuidade, pela habitualidade.

Para Platão, não pode haver virtude moral sem virtude intelectual. Só pode ser justo se tiver compreensão teórica do que é justo. Já para Aristóteles, elas são diferentes, ele pode saber a teoria de uma coisa e não ter a noção moral.

Para Aristóteles a virtude está no meio termo, não está nem no excesso, nem na falta. Tem que buscar um justo meio, a exata medida entre as coisas. A justiça é a virtude perfeita dentre as coisas que ele analisa. É uma virtude completa porque engloba todas as outras. A justiça geral se equipara a virtude moral, enquanto a justiça particular é uma definição do direito, justiça no sentido jurídico. Aristóteles diferencia direito da moral.

A justiça particular é dar a cada um o que lhe é devido, dar a cada um o que é seu. A crítica feita a essa definição dada por Aristóteles é que ele não responde quem é que define o que é de cada um dentro da sociedade, mas ele diz que quem define é a política e a ética, não sendo essa crítica eficiente.

A justiça distributiva é a social, política, que trata da relação da parte com o todo. Distribuir pelo Estado os bens produzidos dentro da sociedade, dando a cada um o que é seu. Proporção geométrica: os bens não são distribuídos de maneira igual, leva em conta as desigualdades do indivíduo, ela trata de forma desigual os que são desiguais.

A justiça comutativa tem uma relação entre as partes e não entre a parte e o Estado. Existe uma proporção aritmética e não geométrica. Segue critério formal de igualdade, ou seja, considera todos iguais, só vê se uma parte recebe o que deve diante da outra.

Para Aristóteles elas estão juntas. O direito privado deve estar subordinado a distributiva ou pelo menos relacionado com ela. Assim como a justiça geral e particular estão articuladas (mesma natureza, mas objetos diferentes).

A equidade e a justiça são noções independentes, mas que se articulam. A equidade é a aplicação de princípios gerais a casos concretos. A equidade aplica princípios gerais para casos particulares, se ligando, dessa forma, a justiça. Esse trabalho vai ser feito de forma justa se houver sabedoria prática.

Bibliografia

Capitulo do Aristóteles - Eduardo Bittar

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Sexta aula

Platão (427 – 347 a.C.)

1. O “problema Platão”

2. O contexto Platão

3. O conflito com a política

4. A teoria das idéias e das formas

5. A teoria do conhecimento

6. Os modos do conhecimento modos de conhecer por meio da linguagem:

1º nome

2º definição (modo de conhecer por representação de figuras e números)

3º raciocínio dedutivo (operação do pensamento sem a necessidade de representação)

4º conhecimento

5º alcance do objeto real, a essência inteligível.

7. Os graus do conhecimento

Mundo inteligível

Idéia (êidos)

Intelectual (nóesis)

Ciência (epistéme)

Raciocínio Dedutivo

(dianóia)

Mundo sensível

Crença(pistis)

Opinião (dóxa)

Imaginação

Simulacro (eikásia)

8. Teoria da alma (psicologia) e da vida virtuosa (ética):

alma racional -> Saber

alma colérica -> Prudência

alma concupiscente -> Temperança

9. O governo dos filósofos

10. Os problemas da concepção de Platão

Assim como há o problema do Sócrates (que não publicou nenhuma obra escrita) há o “problema Platão” que se refere a haver uma pluralidade de interpretações de suas obras. No entanto, é o filosofo que mais influenciou a filosofia ocidental. Inicialmente sua maior paixão era a política, se direcionando à filosofia após sua frustração com aquela.

A obra de Platão convive com o contexto de decadência da cidade de Atenas e crise política. Em conseqüência disso ele se decepciona com a cidade e tem no julgamento de Sócrates o estopim para que sua filosofia confronte-se com a política.

Em suas obras ele afirma que a política se desvirtuou por ser regida por critérios do senso comum e da opinião. Acusa que a política foi corrompida pelos sofistas e não estava sendo feita mais pelo conhecimento e pela filosofia.

Mito da caverna

Esse mito narra a história de homens que viviam acorrentados dentro de uma caverna de costas para a sua entrada. Para eles era projetado, graças a luz de uma fogueira, imagens. Os que projetavam essas imagens também emitiam sons de conversa. Os prisioneiros da caverna acreditavam que aquelas imagens eram reais e que o som que eles escutavam vinha dessas imagens.

Um dos prisioneiros sente uma espécie de frustração e por razão dos questionamentos que surgiram nele, ele consegue se libertar das correntes e sai da caverna. Quando chega fora dela, senti a luz forte nos olhos e não consegue enxergar nada. Após um período seus olhos se adaptam a luz e ele começa a enxergar o mundo externo, o mundo real. A partir desse momento ele compreende que as sombras na caverna eram apenas um simulacro da realidade.

Esse prisioneiro liberto se sente imbuído a retornar à caverna e contar aos outros o que ele pôde ver, desvendando toda a simulação que havia na caverna. Mas após sua volta e sua tentativa de explicar aos outros que havia um mundo lá fora, ele é morto.

Platão relaciona esse mito à sua teoria do conhecimento e alguns elementos dessa historia a aspectos da discussão filosófica. Para ele os homens no mundo vivem como os prisioneiros: acreditando em um mundo de imagens que não são a realidade, que são a opinião. O prisioneiro liberto representa o filosofo que tem um ímpeto questionador e consegue através dele chegar no mundo real: a verdade. A fogueira representaria os sofistas que enganam os homens com seus ideais de que tudo é opinião e que tudo pode ser convencionado, sem haver uma verdade absoluta.

A volta do filosofo a caverna marca a função político-pedagogica que Platão defende deve haver em todos os filósofos. Porque eles devem ajudar os homens a encontrar a verdade, que existe dentro de todos. A morte do filosofo é uma alusão a morte do Sócrates que, para Platão, tentou exercer essa função político-pedagogica, mas foi condenado e morto graças aos sofistas que corromperam Atenas.

A verdade se caracteriza pela relação entre o intelecto e a coisa visada. É preciso saber direcionar o olhar para o conhecimento. É preciso ao prisioneiro que está acostumado com a escuridão adaptar seu olhar para a compreensão do que se vê no claro, que representa o conhecimento, a verdade.

Para Platão a busca do conhecimento, do saber é a busca pelo bem, que só é possível através da verdade. Ele adota um filosofia contemplativa, ou seja, para se compreender a sociedade é preciso tomar um distanciamento do mundo.

Mito da Reminiscência

“...é preciso explicar como, vivendo no mundo sensível, alguns homens sentem atração pelo mundo inteligível. Como, nunca tendo tido contato com o mundo das idéias, jamais tendo contemplado as idéias, algumas almas as procuram? De onde vem o desejo de sair da caverna? Mais do que isto, como os que sempre viveram na caverna podem supor que exista um mundo foram dela, se os grilhões e os altos muros não deixam ver nada externo? Para decifrar este enigma, Platão narra o Mito de Er, também conhecido como o Mito da Reminiscência, da anamnese, que vimos ser inseparável da antiga idéia da alétheia (o não-esquecido).

O pastor Er, da Panfília, é conduzido pela deusa até o Reino dos Mortos, para onde (como já vimos) segundo a tradição grega, sempre foram conduzidos os poetas e adivinhos. Ele encontra as almas dos mortos serenamente contemplando as idéias. Devendo reencarnar-se, as almas serão levadas para escolher a nova vida que terão na Terra. São livres para escolher a nova vida terrena que desejam viver. Após a escolha, são conduzidas por uma planície onde correm as águas do rio Léthe (esquecimento). As almas que escolheram uma vida de poder, riqueza, glória, fama ou vida de prazeres, bebem água em grande quantidade, o que as faz esquecer as idéias que contemplaram. As almas dos que escolhem a sabedoria quase não bebem das águas e por isso, na vida terrena, poderão lembrar-se das idéias que contemplaram e alcançar, nesta vida, o conhecimento verdadeiro. Desejarão a verdade, serão atraídas por ela, sentirão amor pelo conhecimento, porque, vagamente, lembram-se de que já a viram e já a tiveram. Por isso, no Mênon, quando o jovem escravo analfabeto se torna capaz, orientado pelas perguntas de Sócrates, de demonstrar o Teorema de Pitágoras, Platão faz Sócrates dizer que conhecer é lembrar, e o filósofo dialético, como o médico que faz o paciente lembrar-se, suscita nos outros a lembrança do verdadeiro. Se já não tivéssemos estado diante da verdade, não só não poderíamos desejá-la como, chegando diante dela, não saberíamos identificá-la, reconhecê-la.” (Marilena Chauí - O Cortiço Filosófico)

Por isso a idéia de conhecimento se relaciona a idéia de reminiscência, já que aquele é um processo então de lembrança da verdade uma vez apresentada aos homens que a escolheram. Essa idéia é inatista, sendo contraria a noção de conhecimento pela experiência, empirismo.

Teoria do conhecimento

O conhecimento para Platão se divide em graus. Esse processo pode ser bem exemplificado pelo processo de libertação do prisioneiro da caverna.

Primeiro os homens vêem diante de si um mundo de imagens, que não são reais. Essas imagens para ele seriam as opiniões, simulacros da realidade. Dessa forma, os homens acreditam naquelas imagens, adotam as opiniões como verdade caracterizando assim o segundo grau do processo de conhecimento. Esses dois graus estão incluídos no mundo sensível, ou seja, eles pertencem ao mundo que se apresenta através dos sentidos e não do verdadeiro conhecimento, da filosofia.

A partir de então o homem sente uma necessidade de questionamento que leva ele a um raciocínio dedutivo sobre o mundo visto por ele e sobre suas opiniões. Sendo esse o primeiro grau para se atingir o mundo inteligível. O último grau é finalmente a compreensão, através de uma intuição inteligível chega-se a verdade.

Teoria da alma e da vida virtuosa

Nessa teoria ele discute e divide as virtudes dos indivíduos relacionando-as as parte do corpo. Para Platão o homem se divide em alma racional (cabeça) que representa o saber; alma colérica (peito) representando a prudência; e alma concupiscente (baixo ventre) representando a temperança. Dessa forma, é para ele um individuo harmônico, virtuoso e ético aquele que tem as almas colérica e concupiscente sobre controle da alma racional, já que só assim seria possível manter o equilíbrio dessas outras duas almas.

Platão relaciona a teoria das almas a política. Dividindo a sociedade em magistrados, militares e comerciantes. Os magistrados representariam a alma racional, já que eles detêm o conhecimento. Os militares representariam a alma colérica e os comerciantes a alma concupiscente.

Assim ele organiza sua estrutura de sociedade ideal, para ele os magistrados se dividiriam em duas funções: como governantes e como administradores; os militares garantindo a defesa e a proteção; e os comerciantes as riquezas.

É evidente dessa forma, que Platão com sua teoria de governo, acaba afrontando a Democracia e defendendo uma Aristocracia, em que os filósofos detêm o poder.

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

sexta-feira, 5 de novembro de 2010

Texto extra

O valor da filosofia


Tendo agora chegado ao término de nossa breve e incompletíssima revisão dos problemas da filosofia, será conveniente considerar, para concluir, qual é o valor da filosofia e por que ela deve ser estudada. É da maior importância considerar esta questão, em vista do fato de que muitos homens, sob a influência da ciência e dos negócios práticos, propendem a duvidar se a filosofia é algo melhor que um inocente mas inútil passatempo, com distinções sutis e controvérsias sobre questões em que o conhecimento é impossível.

Esta visão da filosofia parece resultar, em parte, de uma concepção errada dos fins da vida humana e em parte de uma concepção errada sobre o tipo de bens que a filosofia empenha-se em buscar. As ciências físicas, por meio de invenções, são úteis para inumeráveis pessoas que a ignoram completamente; e por isso o estudo das ciências físicas é recomendável não somente, ou principalmente, por causa dos efeitos sobre os estudantes, mas antes por causa dos efeitos sobre a humanidade em geral. É esta utilidade que faz parte da filosofia. Se o estudo de filosofia tem algum valor para outras pessoas além de para os estudantes de filosofia, deve ser somente indiretamente, através de seus efeitos sobre as vidas daqueles que a estudam. Portanto, é em seus efeitos, se é que ela tem algum, que se deve procurar o valor da filosofia.

Mas, além disso, se não quisermos fracassar em nosso esforço para determinar o valor da filosofia, devemos em primeiro lugar libertar nossas mentes dos preconceitos dos que são incorretamente chamados homens práticos. O homem prático, como esta palavra é frequentemente usada, é alguém que reconhece apenas necessidades materiais, que acha que o homem deve ter alimento para o corpo, mas se esquece que é necessário prover alimento para o espírito. Se todos os homens estivessem bem; se a pobreza e as enfermidades tivessem já sido reduzidas o mais possível, ainda ficaria muito por fazer para produzir uma sociedade verdadeiramente válida; e até no mundo existente os bens do espírito são pelo menos tão importantes quanto os bens materiais. É exclusivamente entre os bens do espírito que o valor da filosofia deve ser procurado; e somente aqueles que não são indiferentes a esses bens podem persuadir-se de que o estudo da filosofia não é perda de tempo.

A filosofia, como todos os outros estudos, visa em primeiro lugar o conhecimento. O conhecimento que ela tem em vista é o tipo de conhecimento que confere unidade sistemática ao corpo das ciências, bem como o que resulta de um exame crítico dos fundamentos de nossas convicções, de nossos preconceitos e de nossas crenças. Mas não se pode dizer, no entanto, que a filosofia tenha tido algum grande êxito na sua tentativa de fornecer respostas definitivas a seus problemas. Se perguntarmos a um matemático, a um mineralogista, a um historiador ou a qualquer outro cientista, que definido corpo de verdades foi estabelecido pela sua ciência, sua resposta durará tanto tempo quanto estivermos dispostos a lhe dar ouvidos. Mas se fizermos essa mesma pergunta a um filósofo, ele terá que confessar, se for sincero, que a filosofia não tem alcançado resultados positivos tais como tem sido alcançados por outras ciências. É verdade que isso se explica, em parte, pelo fato de que, mal se torna possível um conhecimento preciso naquilo que diz respeito a determinado assunto, este assunto deixa de ser chamado de filosofia, e torna-se uma ciência especial. Todo o estudo dos corpos celestes, que hoje pertence à Astronomia, se incluía outrora na filosofia; a grande obra de Newton tem por título: Princípios matemáticos da filosofia natural. De maneira semelhante, o estudo da mente humana, que era uma parte da filosofia, está hoje separado da filosofia e tornou-se a ciência da psicologia. Assim, em grande medida, a incerteza da filosofia é mais aparente do que real: aquelas questões para as quais já se tem respostas positivas vão sendo colocadas nas ciências, ao passo que aquelas para as quais não foi encontrada até o presente nenhuma resposta exata, continuam a constituir esse resíduo, que é chamado de filosofia.

Isto é, no entanto, só uma parte do que é verdade quanto à incerteza da filosofia. Existem muitas questões ainda — e entre elas aquelas que são do mais profundo interesse para a nossa vida espiritual — que, na medida em que podemos ver, deverão permanecer insolúveis para o intelecto humano, a menos que seus poderes se tornem de uma ordem inteiramente diferente daquela que são atualmente. O universo tem alguma unidade de plano e objetivo, ou ele é um concurso fortuito de átomos? É a consciência uma parte permanente do universo, dando-nos esperança de um aumento indefinido da sabedoria, ou ela não passa de transitório acidente sobre um pequeno planeta, onde a vida acabará por se tornar impossível? São o bem e o mal importantes para o universo ou somente para o homem? Tais questões são colocadas pela filosofia, e respondidas de diversas maneiras por vários filósofos. Mas, parece que se as respostas são de algum modo descobertas ou não, nenhuma das respostas sugeridas pela filosofia pode ser demonstrada como verdadeira. E, no entanto, por fraca que seja a esperança de vir a descobrir uma resposta, é parte do papel da filosofia continuar a examinar tais questões, tornar-nos conscientes da sua importância, examinar todas as suas abordagens, mantendo vivo o interesse especulativo pelo universo, que correríamos o risco de deixar morrer se nos confinássemos aos conhecimentos definitivamente determináveis.

Muitos filósofos, é verdade, sustentaram que a filosofia poderia estabelecer a verdade de certas respostas a tais questões fundamentais. Eles supuseram que o que é mais importante no campo das crenças religiosas pode ser provado como verdadeiro por meio de estritas demonstrações. A fim de julgar tais tentativas, é necessário fazer uma investigação sobre o conhecimento humano, e formar uma opinião quanto a seus métodos e suas limitações. Sobre tais assuntos é insensato nos pronunciarmos dogmaticamente. Porém, se as investigações de nossos capítulos anteriores não nos induziram ao erro, seremos forçados a renunciar à esperança de descobrir provas filosóficas para as crenças religiosas. Portanto, não podemos incluir como parte do valor da filosofia qualquer série de respostas definidas a tais questões. Mais uma vez, portanto, o valor da filosofia não depende de um suposto corpo de conhecimento definitivamente assegurável, que possa ser adquirido por aqueles que a estudam.

O valor da filosofia, na realidade, deve ser buscado, em grande medida, na sua própria incerteza. O homem que não tem algumas noções de filosofia caminha pela vida afora preso a preconceitos derivados do senso comum, das crenças habituais de sua época e do seu país, e das convicções que cresceram no seu espírito sem a cooperação ou o consentimento de uma razão deliberada. Para tal homem o mundo tende a tornar-se finito, definido, óbvio; para ele os objetos habituais não levantam problemas e as possibilidades infamiliares são desdenhosamente rejeitadas. Quando começamos a filosofar, pelo contrário, imediatamente nos damos conta (como vimos nos primeiros capítulos deste livro) de que até as coisas mais ordinárias conduzem a problemas para os quais somente respostas muito incompletas podem ser dadas. A filosofia, apesar de incapaz de nos dizer com certeza qual é a verdadeira resposta para as dúvidas que ela própria levanta, é capaz de sugerir numerosas possibilidades que ampliam nossos pensamentos, livrando-os da tirania do hábito. Desta maneira, embora diminua nosso sentimento de certeza com relação ao que as coisas são, aumenta em muito nosso conhecimento a respeito do que as coisas podem ser; ela remove o dogmatismo um tanto arrogante daqueles que nunca chegaram a empreender viagens nas regiões da dúvida libertadora; e vivifica nosso sentimento de admiração, ao mostrar as coisas familiares num determinado aspecto não familiar.

Além de sua utilidade ao mostrar insuspeitas possibilidades, a filosofia tem um valor — talvez seu principal valor — por causa da grandeza dos objetos que ela contempla, e da liberdade proveniente da visão rigorosa e pessoal resultante de sua contemplação. A vida do homem reduzido ao instinto encerra-se no círculo de seus interesses particulares; a família e os amigos podem ser incluídos, mas o resto do mundo para ele não conta, exceto na medida em que ele pode ajudar ou impedir o que surge dentro do círculo dos desejos instintivos. Em tal vida existe alguma coisa que é febril e limitada, em comparação com a qual a vida filosófica é serena e livre. Situado em meio de um mundo poderoso e vasto que mais cedo ou mais tarde deverá deitar nosso mundo privado em ruínas, o mundo privado dos interesses instintivos é muito pequeno. A não ser que ampliemos nosso interesse de maneira a incluir todo o mundo externo, ficaremos como uma guarnição numa praça sitiada, sabendo que o inimigo não a deixará fugir e que a capitulação final é inevitável. Não há paz em tal vida, mas uma luta contínua entre a insistência do desejo e a impotência da vontade. De uma maneira ou de outra, se pretendemos uma vida grande e livre, devemos escapar desta prisão e desta luta.

Uma válvula de escape é pela contemplação filosófica. A contemplação filosófica não divide, em suas investigações mais amplas, o universo em dois campos hostis: amigos e inimigos, aliados e adversários, bons e maus; ela encara o todo imparcialmente. A contemplação filosófica, quando é pura, não visa provar que o restante do universo é semelhante ao homem. Toda aquisição de conhecimento é um alargamento do eu, mas este alargamento é melhor alcançado quando não é procurado diretamente. Este alargamento é obtido quando o desejo de conhecimento é somente operativo, por um estudo que não deseja previamente que seus objetos tenham este ou aquele caráter, mas adapte o eu aos caracteres que ele encontra em seus objetos. Esse alargamento do eu não é obtido quando, tomando o eu como ele é, tentamos mostrar que o mundo é tão similar a este euque seu conhecimento é possível sem qualquer aceitação do que parece estranho. O desejo para provar isto é uma forma de egotismo, é um obstáculo para o crescimento do eu que ele deseja, e do qual o eu sabe que é capaz. O egotismo, na especulação filosófica como em tudo o mais, vê o mundo como um meio para seus próprios fins; assim, ele faz do mundo menos caso do que faz do eu, e o eu coloca limites para a grandeza de seus bens. Na contemplação, pelo contrário, partimos do não-eu, e por meio de sua grandeza os limites do eu são ampliados; através da infinidade do universo, a mente que o contempla participa um pouco da infinidade.

Por esta razão a grandeza da alma não é promovida por aquelas filosofias que assimilam o universo ao Homem. O conhecimento é uma forma de união do eu com o não-eu. Como toda união, ela é prejudicada pelo domínio, e, portanto, por qualquer tentativa de forçar o universo em conformidade com o que descobrimos em nós mesmos. Existe uma tendência filosófica muito difundida em relação a visão que nos diz que o Homem é a medida de todas as coisas; que a verdade é construção humana; que espaço e tempo, e o mundo dos universais, são propriedades da mente, e que, se existe alguma coisa que não seja criada pela mente, é algo incognoscível e de nenhuma importância para nós. Esta visão, se nossas discussões precedentes forem corretas, não é verdadeira; mas além de não ser verdadeira, ela tem o efeito de despojar a contemplação filosófica de tudo aquilo que lhe dá valor, visto que ela aprisiona a contemplação do eu. O que tal visão chama conhecimento não é uma união com o não-eu, mas uma série de preconceitos, hábitos e desejos, que compõem um impenetrável véu entre nós e o mundo para além de nós. O homem que se compraz em tal teoria do conhecimento humano assemelha-se ao homem que nunca abandona seu círculo doméstico por receio de que fora dele sua palavra não seja lei.

A verdadeira contemplação filosófica, pelo contrário, encontra sua satisfação no próprio alargamento do não-eu, em toda coisa que engrandece os objetos contemplados, e desse modo o sujeito que contempla. Na contemplação, tudo aquilo que é pessoal e privado, tudo o que depende do hábito, do autointeresse ou desejo, deforma o objeto, e, portanto, prejudica a união que a inteligência busca. Levantando uma barreira entre o sujeito e o objeto, as coisas pessoais e privadas tornam-se uma prisão para o intelecto. O livre intelecto enxergará assim como Deus poderia ver: sem um aqui e agora; sem esperança e sem medo; isento das crenças habituais e preconceitos tradicionais; calmamente, desapaixonadamente, com o único e exclusivo desejo de conhecimento — conhecimento tão impessoal, tão puramente contemplativo quanto é possível a um homem alcançar. Por isso, o espírito livre valorizará mais o conhecimento abstrato e universal em que não entram os acidentes da história particular, que ao conhecimento trazido pelos sentidos, e dependente — como tal conhecimento deve ser — de um ponto de vista pessoal e exclusivo, e de um corpo cujos órgãos dos sentidos distorcem tanto quanto revelam.

A mente que se tornou acostumada com a liberdade e imparcialidade da contemplação filosófica preservará alguma coisa da mesma liberdade e imparcialidade no mundo da ação e emoção. Ela encarará seus objetivos e desejos como partes do Todo, com a ausência da insistência que resulta de considerá-los como fragmentos infinitesimais num mundo em que todo o resto não é afetado por qualquer uma das ações dos homens. A imparcialidade que, na contemplação, é o desejo extremo pela verdade, é aquela mesma qualidade espiritual que na ação é a justiça, e na emoção é o amor universal que pode ser dado a todos e não só aos que são considerados úteis ou admiráveis. Assim, a contemplação amplia não somente os objetos de nossos pensamentos, mas também os objetos de nossas ações e nossos sentimentos: ela nos torna cidadãos do universo, não somente de uma cidade entre muros em estado de guerra com tudo o mais. Nesta qualidade de cidadão do mundo consiste a verdadeira liberdade humana, que nos tira da prisão das mesquinhas esperanças e medos.

Enfim, para resumir a discussão do valor da filosofia, ela deve ser estudada, não em virtude de algumas respostas definitivas às suas questões, visto que nenhuma resposta definitiva pode, por via de regra, ser conhecida como verdadeira, mas sim em virtude daquelas próprias questões; porque tais questões alargam nossa concepção do que é possível, enriquecem nossa imaginação intelectual e diminuem nossa arrogância dogmática que impede a especulação mental; mas acima de tudo porque através da grandeza do universo que a filosofia contempla, a mente também se torna grande, e se torna capaz daquela união com o universo que constitui seu bem supremo.

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autor: Bertrand Russell

· tradução: Jaimir Conte

· fonte: Textos de Interesse Filosófico

· original: The Problems of Philosophy